Dienstag, 29. September 2009

«És uma sombra...»

És uma sombra nocturna de luz celeste,
Nobre, doce e dócil como as estrelas de outrora,
O Anjo áureo que leva os beijos da aurora,
Mais brilhante e rubra desde que amanheceste.

Rafael Silveira Neves, 29/09/09

Alguns comentários...

O comentário do Filipe:

O meu conterrâneo Açoriano preferido...


Creio que acaba por ser verdade. Todos - até certos elementos de esquerda revolucionária ou revisionista desta comunidade - têm em si um embrião de conservadorismo, que a força das circunstâncias não permite senão abortar.

Note-se que Antero de Quental foi membro de um dos primeiros partidos de orientação Proudhónica e proto-marxista em Portugal. Não foi por isso que deixou de fazar brilhar na sua obra poética e filosófica sempre um temor religioso muito micaelense, muito açoriano, um misto de amor profundo a Deus e à "sagrada família", respeito, confiança e fé - por regra, relativamente emancipadas de uma dependência intelectual e religiosa ao Vaticano.
Antero de Quental foi um tipo religioso, conservador, sim - mas tinha bestunto e soube ver que numa sociedade atrasada que vivia um feudalismo capitalista semelhante ao que temos ainda hoje, a resposta a dar era o compromisso entre a vontade e as crenças do povo, sejam elas quais forem, e a modernidade de Esquerda da luta à opressão e exploração.

Não vejo como se possa censurar a orientação de Quental.
Aliás, há muita gente que se devia perguntar, por aí, se a sua natureza não será antes revolucionária, e o seu espírito breve conservador.

Filipe


A minha resposta:

A natureza individual, aponta-nos e indica-nos sempre caminhos sedutores por mais tortuosos e imbecis que nos apresentem, a natureza puxa-nos e guia-nos nessa viagem inútil.

Agora o espírito... Quem é que sabe domar o espírito? No decurso do caminho somos sempre atacados pelo espírito, ele pode ser oculto e breve nas suas manifestações, mas ofusca-nos sempre da linha que a natureza nos traçou e deixa-nos completamente perdidos. Exige de nós aquilo que a natureza não nos concedeu, força-nos com a sua necessidade, porque é ele o último reflexo da nossa alma por mais que esta esteja trabalhada pela nossa natureza. Se calhar falo de mim e não de Antero quando emito estas breves linhas, mas em mim, a natureza é conservadora; agora o espírito, esse génio maldito que amaldiçoo e abençoo, essa torrente de águas revoltas e límpidas em que incide a luz da minha alma, esse será sempre revolucionário no sentido geral do termo. E será ele que me irá dar a paz, quer me afogue nessas águas, quer nelas mate a sede.

E mesmo quando acho que me vou afogar, continuo sempre com a mesma sede... Será essa sede o espírito e não as águas que acuso? Não sei dizer, não sei avaliar. Estou vazio agora e a natureza retoma em mim o seu caminho, não há lâmina que me corte esta mão, nesta indefinição há muito que estou talhado ao milímetro.

E acho sempre que açoriano se escreve açoreano e isto antes da companhia de seguros. Mas pronto, para mim, dançar será sempre dansar, não sou o primeiro nem o último, sou apenas mais um.

Escrevo sem nexo, agora reparo, nem sei porque vomito estas palavras, a insónia permanece e nem revejo. As palavras saiem desconexas sem tempero nem tempera, assim me encontro, assim aguardo.

Não sei o que digo nem se digo alguma coisa, as rosas são ainda brancas e a sua luz queima-me por mais que me digam que não, que são serenas e belas.

As imagens fundem-se e o sono não chega, estou calmo agora, a natureza retoma-se em mim e o espírito adormece lentamente mais uma vez para se esconder atrás desta nova criação.
Não me compreendo nem compreendo, a bússola gira em torno de si própria e a terra é vermelha, mas as rosas são brancas. Gosto do azul mas não acredito nele, falam-me do vermelho, conheço o branco, sinto o azul e o azul tinge o meu vermelho porque o vermelho não conheço, só o branco.

A fotografia devassa-me o espírito, e a máscara tomou conta da natureza ou será que foi a natureza que se mascarou? Não penso, não reflicto, não sinto, não choro, não amo, não odeio, não durmo, escrevo sem parar e o dicionário repreende-me, o teclado tem saudades da caneta, e eu só tenho uma caneta, está na mala.

Procuro algo entre um piano e um violino, o piano é a minha natureza mas o violino é o meu espírito e eu estou no meio. As cordas estão ká, o som sai, mas o violino não toca e o piano apressa-se, a uma mão, a duas mãos, a quatro mãos e eu não sou virtuoso, o arco parou e os braços caíram mas os dedos continuam frenéticos no teclado, não conhecem as teclas porque só se lembram das cordas e em cada tecla esperam encontrar o corte da corda mas a tecla é pesada e soa antes de saber que a premi.

Assim me esqueço da música e recordo apenas o som. Um som que chove, que gotícula e perde a forma que o definia, os homens correm e não pensam e já não formam um colectivo, tornaram-se um a um em homens mas em homens que se tornaram já não o são antes ainda de o serem e agora não pensam, eu não penso, fogem, será que fujo?

Ousado estou, porque não estou, não sou e como tal é fácil ser o que se não é porque o que se é nunca chega a ser e eu nunca chego a ser o que sou porque aquilo que sou nunca é nem chega a ser porque não percebo estas palavras que se apropriam das minhas mãos, das mão que não quer ser ferida, que permanece incólume como nasceu e ela envelhece mas não muda, e dizem-me que é bela, bela porquê? Será o seu gesto ou a sua forma, talvez ambos, a lixívia tirou-me a cor mas o indigo suja-me as mãos brancas que procuram o sangue. Mas o sangue não corre e a tinta tarda em chegar, todos se maquiam.

E não páro, não consigo, escrevo, escrevo mas não digo nada. As palavras amontoam-se e os pensamentos não chegam a ser nada, esfumam-se antes que lhes permita formar, nascer, cristalizar, assentar. Nuvens de pó, será fumo? continuam e eu não consigo ver nada, os olhos estão secos, a pele está cansada. Vou fechar o livro.

Que quero dizer? Que quero afirmar? Será que quero o quer que seja? Não sei parar, o livro não fecha, a água inunda-me a casa e vomitei na casa de banho, limpei o que pude mas o cheiro enjoativo e bilioso possuí-me as narinas, controlo a náusea mas não percebo, olho-me com desdém e no espelho acho-me belo no meio desta putrefacção que me rodeia. Sublinho que nada digo, mas tudo escrevo, porque nada tenho para dizer nem sei se digo, mas não consigo parar, os dedos continuam na ponta dos braços inertes. Não sei fazer nada mas tudo faço e no fim nada fiz, não consigo parar porque o espírito encontrou a natureza e não falam a mesma lingua, usam um intérprete de Bruxelas que recebe dinheiro a mais mas não eprcebe nenhuma das línguas porque só fala português. Mas a natureza é surda e o espírito só sabe gritar e o intérprete é um idiota. Perdeu-se mas continua, e sem saber o que traduz, inventa, ou melhor, aldraba, engana e burla nem sabe bem o quê até porque não se lembra, perdeu a memória e deixou de ficar triste embora não tenha ficado muito contente porque palavra atrás de palavra a todas anulou porque não sabe nada. É um idiota.

São 3:33, não 3:34 agora é feio, o três é bonito, parece um infinito incompleto mas agora já passou e já são 3:34. Tenho aula de Quântica às 11, é melhor tentar dormir porque acordo cedo. Minto, não vou acordar cedo mas tenho aula, vou lá mas vou ficar de fora mesmo que me vejam porque me vêem sempre mas nunca me tocam. E eu também não toco, tenho nojo e uso sempre luvas.

Olha que fofinho, transformei um substantivo em verbo.

Encontrei uma ave de fogo e estou a sagrar a minha Primavera, no penúltimo dia saberei mais, recupero-me lentamente, a realidade desenha-se aos poucos e recordo-me de mim, agora compreendo o jogo de cartas mas continuo sem saber jogar, jogo sempre ao acaso mas acham que jogo bem e muito. Agora sim, tenho sono e já vejo novamente pelos pesados olhos, são 3:47 e não paro. Um 3 desdobrado devia ser inifnito mas afinal dá 8 e eu nunca soube fazer contas. Pronto, assim sou nestas horas.

Montag, 28. September 2009

Blue Roses

Roses red and roses white
Plucked I for my love's delight.
She would none of all my posies -
Bade me gather her blue roses.

Half the world I wandered through
Seeking where such flowers grew.
Half the world unto my quest
Answered me with laugh and jest.

Home I came at wintertide
But my silly love had died
Seeking with her latest breath
Roses from the arms of Death.

It may be beyond the grave
She shall find what she sould have.
Mine was but an idle quest -
Roses white and red are best!

Rudyard Kipling

A natureza, em mim, é conservadora; só o espírito é revolucionário.

Há em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, há lá oculto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um fanático ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma vez, e com ele o espírito sinistro do Catolicismo de Trento.

A natureza, em mim, é conservadora; só o espírito é revolucionário.

O Hegelianismo foi o ponto de partida das minhas especulações filosóficas, e posso dizer que foi dentro dele que se deu a minha evolução intelectual.

A grande revolução… só pode ser uma revolução moral, e essa não se faz de um dia para o outro nem se decreta nas espeluncas famosas das conspirações, e, sobretudo, não se prepara com publicações rancorosas de espírito estreitíssimo e ermas da menor ideia práctica.

… Mais preciso pôr-me em comunhão com a alma colectiva.

… Fui sempre amigo de me achar em minoria.

… É preciso também chorar e amar aquilo mesmo que nos faz chorar.

Vou percebendo que o pessimismo de [Karl Edward von, 1842 – 1906] Hartmann se parece singularmente como o meu optimismo… Talvez eu tenha inventado a Filosofia do Inconsciente sem o saber!

… Choro – mas não me envergonho de chorar.

Eu cá vou indo. Cada vez mais místico e penso que daria um sofrível monge, se não fossem estes nervos miseráveis, inimigos da paz de espírito. Querem alguns dizer que muitos santos foram histéricos e nevróticos. Não posso crê-lo. Este estado de nevrose é o menos favorável à serenidade interior e, por conseguinte, à santidade.


Mas quem de amor nos lábios traz doçura
Esse é que leva a flor de uma alma pura!

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

E os que folgam na orgia ímpia e devassa
Ai! quantas vezes ao erguer a taça,
Param, e estremecendo, empalidecem!

Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?

Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…

Mas cruzar, com desdém, inertes braços,
Mas passar, entre turbas, solitário,
Isto é ser só, é ser abandonado!

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.

Antero de Quental

Sonntag, 27. September 2009

As-tu déjà aimé

Porque é que eu me sinto tanto nestes impasses ... e tanto do lado do "bretão".....


As-tu déjà aimé
Pour la beauté du geste?

As-tu déjà croqué

La pomme à pleine dent?
Pour la saveur du fruit
Sa douceur et son zeste
T'es tu perdu souvent?

Oui j'ai déjà aimé
Pour la beauté du geste

Mais la pomme était dure.

Je m'y suis cassé les dents.

Ces passions immatures,

Ces amours indigestes

M'ont écoeuré souvent.


Les amours qui durent

Font des amants exsangues,

Et leurs baisers trop mûrs

Nous pourrissent la langue.


Les amour passagères
Ont des futiles fièvres,

Et leur baiser trop verts

Nous écorchent les lèvres.


Car a vouloir s'aimer
Pour la beauté du geste,

Le ver dans la pomme

Nous glisse entre les dents.

Il nous ronge le coeur,

Le cerveau et le reste,

Nous vide lentement.


Mais lorsqu'on ose s'aimer
Pour la beauté du geste,

Ce ver dans la pomme

Qui glisse entre les dents,

Nous embaume le coeur,

Le cerveau et nous laisse

Son parfum au dedans.


Les amours passagères
Font de futils efforts.

Leurs caresses ephémères

Nous faitguent le corps.


Les amours qui durent
Font les amants moins beaux.

Leurs caresses, à l'usure,

Ont raison de nos peaux.

Sonntag, 20. September 2009

Setas Ateias


«Certo dia, quando atravessava o Deserto, encontrei um poeta louco e herético no caminho. Nada fazia senão olhar para o céu com desdém desafiante e cantar:


«Num copo de vinho, vi a alma de Deus,
Tão embriagado que julgou estar nos céus,
Morrendo afogado sem sequer ter nascido.

Com alexandrinos faço a guerra aos céus,
Deus tem os seus anjos, estes versos são meus,
E são setas que O destronam, como eu, perdido.»


E nunca compreendi o que queria dizer.»
Rafael Silveira Neves, Agosto de 2008

Samstag, 19. September 2009

Die Engel (os Anjos)


Das Kind ruht aus vom Spielen,
Am Fenster rauscht die Nacht,
Die Engel Gotts im Kühlen
Getreulich halten Wacht,

Am Bettlein still sie stehen,
Der Morgen graut noch kaum,
Sie küssens, eh sie gehen,
Das Kindlein lacht im Traum.


- Joseph Freiherr Von Eichendorff


«A criança descansa da brincadeira,
À janela, a noite murmura,
Os anjos de Deus, no frio,
Vigiam fielmente,

Estão junto da cama,
Ainda nem o cinzento da manhã veio,
Eles beijam-na, antes de irem,
E a criança ri enquanto sonha»

Sonntag, 13. September 2009

Inscrição Tumular



«Aqui jaz em paz a minha vida,
A vida que deixei para trás;
Vim encerrar-me nesta jazida,
Porém, não sou Eu quem aqui jaz.»
- Rafael Silveira Neves

Samstag, 12. September 2009

Constatações

De notar como se torna realidade inabalável a teoria de Aristóteles que afirma que a Natureza tem horror ao Vácuo... Pelo menos eu tenho àquele que se instala no meu ânimo...

Sonntag, 6. September 2009

Samstag, 5. September 2009

Algo está podre em vários reinos...

Há assuntos que devem ser debatidos com toda a simplicidade, por isso vou começar por vos contar uma história...

Ontem sensivelmente a meio de um passeio que fiz com um amigo meu, repousamos num café que costumo frequentar (e recomendo, o Fba no bairro alto) onde me pus a viajar por entre as várias prateleiras de livros que este tem... Até que, por fortuito acaso do destino, me deparei com um livro de suposta educação sexual, e já compreenderão o meu "suposta", este livro, tomando partido de uma personagem conhecida da animação infantil francesa, apresentava os varios e tortuosos meandros da sexualidade e do sexo de uma forma clara, direcionada e doutrinada não fossem os meninos adolescentes e pré-adolescentes a quem o livro se dirigia perder-se nesse horrível pântano da existência que é o sexo e a sua vivência. Vejamos os três pontos fulcrais do livro, completamente errados (na minha perspectiva claro):

Numa primeira parte, de pendor ciêntifico eram apresentadas as mudanças corporais e de comportamento da puberdade, neste primeiro ponto deu-se o primeiro deslize... caindo no ridículo, numa das páginas, muito ilustradas, explicava-se que os rapazes não têm o periodo. Verdade - claro - mas "informar" um rapaz de 13 ou 14 que ele não terá o periodo é chamar-lhe ignorante, pois não sejamos naives: com essa idade já muito sabem, quer eles quer elas, sobre as questões da sexualidade e portanto não nos podemos apresentar como se eles fossem uma nulidade na matéria, o que levaria unicamente ao escárneo por parte dos adolescentes, como em qualquer momento de educação temos de saber ser humildes enquanto formadores.

Numa segunda parte (muito mais caricata) era apresentado um... chamemos-lhe manual técnico... onde se "ensinava" aos debutantes lições tais como: "Como dar um beijo de língua" não esquecendo obviamente "Como fazer amor" nestas secções aprende-se que os ingleses não gostam de "beijos molhados" e que não se deve rodopiar demasiado a lingua dentro da boca de alguém (infelizmente não indicavam as rpm máximas) e acima de tudo aprende-se como fazer amor ou seja: posição do missionário, eventualmente a única permitida pela ASAE.

Como não poderia deixar de ser, havendo um bom editor, o expoente máximo do livro ficava na na terceira e ultima parte do livro, dedicado inteiramente às perigosas dúvidas que os pupilos pudessem ter... E nela se apresentava o supra sumo das ignorantes frases , atentemos:

"É normal alguns rapazes sentirem atracção por outros rapazes, isso altera-se com a idade"

Como quem me conhece pessoalmente decerto perceberá esta acima de qualquer outra afirmação chocou-me profundamente! Desde cedo me sei homossexual e já passei demasiado devido a isso para agora me dizerem que enfim é um azar que daqui a uns tempos passa.

Pois é, podem não acreditar mas era esta a referência à homossexualidade existente num livro de que se esperava ser clarificador e mais que isso estabilizador para os jovens, pois efectivamente a meu ver mais que bombardear as pequenas mentes com informação distorcida e endoutrinante há que os colocar à vontade com a sua sexualidade quantas vezes complexa e dificil de entender (Eu no 6º e 7º ano ia dando em doido).

Tudo isto além de mais uma vez me demonstrar o quão crua e ignorante a main stream da sociedade pode ser (por acaso não sei porque ainda me dou ao trabalho de contabilizar) relembrou-me que se pretende introduzir a obrigatoriedade da educação sexual nas escolas e assustou-me ao ver como tal pode ser tão mal direcionada e efectuado. Mas enfim o que vale é que nós ocidentais ficamos muito escandalizados com as crianças muçulmanas a decorar apenas e só o Al-Corão... nós somos muito diferentes para melhor. Não somos ?

As virtudes de Cosme também se esgotam...

Caríssimos,

Quando fui convidado pra integrar este blog coloquei, desde logo, a mim mesmo a implícita regra de que não discuturia aqui política muito menos certos aspectos sociais ou de mentalidade, norma que tenho cumprido escrupulosamente. Contudo (como o nosso queridíssimo doutor em leis poderá comentar) creio que existem acontecimentos que nos conferem autoridade para ultrapassar as regras (sim eu sou fã da Antígona).

Deste modo serve este post de preludio à pequena crónica que emitirei em breve e que pretende não só mostrar o meu desagrado ou orgulho ferido (eu o confesso) mas mostrar e deixar ao vosso critério e comentário uma situação deveras inaudita, que já aconteceu... e outra que está em vias de acontecer.

Freitag, 4. September 2009

Rawls

«In a just society, the rights secured by justice are not subject to bargaining or to the calculus of social interests.»

- John Rawls, em A Theory of Justice

Dienstag, 1. September 2009

Moisés

Hoje tropecei na estátua do Moisés e sonhei com uma lenda associada a esta obra. Os caminhos da minha mente foram um pouco mais sombrios que a lenda original mas resolvi escrever isto aqui antes que me esqueça, porque assim são os sonhos, efémeros e esfumam-se por entre os dedos por mais que os tentemos fixar.


P.S. Já agora, já acertavam o relógio disto, são 8 horas da manhã e é dia 1 de Setembro.


A brisa fresca cintilava entre as ramagens sibilantes da manhã. Entre a azáfama primaveril o louco exaltava os homens. Incrédulos transportavam o volume alvo pelo magro pórtico esmagando as roseiras brancas do jardim. Directo de Fiesole, o enorme bloco protagonizava agora o verdejante palco da pequena propriedade. Esgotados, o escultor apressava agora os homens para fora da propriedade, atarantados sorriam idiotas face ao seu esgar irado e sem pressas abandonavam as imediações. Com gestos bruscos e apressados, expulsava-os apressadamente, atingido pela luxúria criadora procurava nos labirintos da sua idealização as linhas do projecto.


Em cada instante desenhava-se na sua mente a forma que nasceria naquele tosco seráfico. Correu para a pedra e sentiu-a com as mãos ásperas e experientes, com elas percorreu o paralelepípedo, possuído pela ânsia da sua visão. Os dedos percorriam o corpo branco e adivinhavam as formas que já via na sua mente. Percebia a pedra, sentia-lhe cada detalhe, o escopro da sua vaidade artística desenhava cada contorno, cada ângulo, emergiam no barro criador da sua mente e nunca se enganava, não, a pedra tinha o marco da criação e os meses de persistência necessária para trabalhar o mono afiguravam-se como segundos.


Incansável, descobriu dia após dia, mês após mês as formas desta réplica dos seus desejos. Revelou-lhe rapidamente as faces angulosas, o nariz fino e rectilíneo, o olhar determinado pautado por melancolia e cansaço de uma viagem de quarenta anos, a boca grave dos povos do deserto… Já lhe adivinhava o corpo seco e musculado, os ossos salientes entre os músculos, os dias escorriam por cada veia que se definia, desde as mãos longas e ossudas do profeta que não foi até aos pés cansados das pernas viajadas. Mas prosseguia a encomenda da fé que o invocava, martelava e compunha cada curva, o torso esguio, as pernas musculadas pela longa viagem e em cada golpe tudo se definia, o futuro do passado da vontade daquele que morreu às portas da terra prometida.


A promessa divina estava finalmente ao seu alcance, a obra terminada coberta pelo lençol branco manchado pelo sangue e suor do ardor que o possuía. A noite estava tépida e a natureza aguardava em expectativa entre ventos que não sopram. Meses haviam passado, o Verão chegava ao fim. Num gesto inesperado revela perante os seus olhos o resultado do seu idílio. Fita silencioso a figura humana que ali se senta sobranceira entre os escombros que a ocultavam. "Levanta-te e anda!" grita exasperado, mas a figura pétrea olha distraidamente para o lado, contemplando as rosas secas no jardim.


Raiado pela incompreensão e incrédulo, o génio lança-se sobre ela e de martelo e escopro em punho ataca o velho recém-nascido por sua mão. Quebra-lhe o gesto altivo transformando os dedos nodosos em cascalho, a que se seguem os braços encostados que rapidamente perdem a forma e furioso martelando-lhe os joelhos, os membros rapidamente se confundem com os escombros do nascimento daquilo que agora morria.


O ar anseia, o coração palpita forte e esperam-no. Incrédulo e com olhar langue e cego fita a expressão arrogante daquela cara erguida sobre um torso desmembrado que ridiculamente parece ignorar toda a situação. Num último ímpeto de raiva, investe contra a sua obra e desfere-lhe um rude golpe no meio daquela expressão que O enfrentou e agora cai por terra: a cabeça fitando o infinito é decepada e rola no chão e deixando adivinhar as linhas que a definiam.


O jovem pega por fim no escopro, e em direcção ao torso do velho decapitado: "pam, pam, PAM… … (silêncio)", o martelo enterra o escopro no peito trabalhado. Fitando os escombros limpa o suor, sorri candidamente e vira as costas… Daquilo que era nada fez tudo e do tudo o reduziu a nada.


André Cunha