Dienstag, 16. November 2010

Decreto



Queridos amigos da irmandade Ars Vitae,
Estimadíssimos leitores que nos dão alento e alegria,
Abjectos corvos que rondam esporadicamente e com malícia este Jardim de fraternidade,

Tenho a informar que em breve vou proceder a uma reestruturação desta casa. Em termos visuais, produtivos e conteudísticos.

Decreto assim a suspensão de todos os trabalhos até ao meu regresso.

F.

Sonntag, 14. November 2010

A Vinda



A VINDA

(Dedicado a MPA).


Num tempo longínquo e distante,
Em que ainda era novo o Mundo,
Dormia num sono profundo
E sob estrelas de diamante
Uma nobre princesa errante.

Os seus caracóis eram escuros,
E escura era a sua montada.
Vivia a cavalo, exilada,
Longe dos homens vis e duros,
Da Babilónia e dos seus muros.

Por ordem do Imperador,
Baniu-se a sua dinastia.
Por isso, exilada vivia,
Confortada pelo rumor
Doce do vento do alvor.

Certo dia, encontrou uma Torre
Ascendendo aos céus, de marfim,
No meio de um imenso jardim
Onde o licor em rios corre,
E a flor de laranjeira não morre.

Passou os prateados portões
E soube que era o seu reino novo,
Pois lá a esperava todo um povo,
Cantando-lhe alegres canções,
Montado em cisnes e pavões.

Em cisnes e pavões montado,
O povo cantava feliz,
Por fim, chegava a Imperatriz
Que tanto tinham esperado,
Com quem profetas tinham sonhado!

Poetas cantaram da sua vinda,
Da sua bondade e beleza,
- Curas universais de tristeza!
Doce e bela, reina hoje ainda,
Onde a luz do dia não finda.



Rafael Silveira Neves

Samstag, 13. November 2010

Proposta

A verdadeira Religião, ou Devoção, que o Homem deve ter é o sentido de Estado.

Filipe, proponho esta frase, minha, para a secção «Resmunguices & grunhidos opinativos sem valor argumentativo».

Donnerstag, 11. November 2010

O Fruto do Conhecimento


Tão grande foi o meu pecado!
Tão grande será o meu tormento!
De querê-lo - tão sumarento...
De prová-lo - doce e dourado,
O Fruto do Conhecimento!

Que dor! a de ser imortal!
Ver o tempo passar, tão lento...
Vivo imortal, em pensamento,
Pois sorvi o suco intemporal
Do Fruto do Conhecimento.

E agora é minha a luz do dia,
E o sopro cósmico do vento
E observo, do meu firmamento,
A fonte da eterna alegria,
Meu Fruto do Conhecimento.


Rafael Silveira Neves

Samstag, 6. November 2010

Julgamento


Num salão húmido de basalto coberto pela poeira legada pelas gerações das Eras do Mundo que se sucederam, pingava água gelada, algo ressonava, rangiam as dobradiças, e fungava impaciente o Juiz. Subiu ao estrado e sentou-se no cadeirão.
Todos se levantaram - os Autores, a sua defesa e o Réu.
Colocou os óculos, fungou, e leu:

«Após curta, irreflectida e arbitrária apreciação dos diferentes argumentos apresentados exclusivamente pelos Autores, o Tribunal decidiu condenar o Réu, D..., por quem nunca chegou a ter grande simpatia, à morte por esquecimento.»

Fungou e tossiu e fungou de novo. Os Autores e a sua defesa sussurravam palavras de alegria, o Réu aceitou tristemente o seu destino, e o advogado da sua defesa ressonava através da sua bocarra escancarada. Escorriam fetidamente gotas de água pelas estátuas e baixo-relevos negros, outrora lembranças do suspiro enamorado da Criação, hoje quebradiças testemunhas mudas da sua execução sumária, da farsa do seu julgamento.
O Juiz limpou o muco à manga da toga e continuou:

«Tendo o Juiz proibido toda e qualquer argumentação da parte do Réu, dada a sua insolência em permanecer doente, mudo e cego, e não tendo a sua defesa chegado a acordar, o Réu é considerado culpado pelos crimes que agora se passam a enunciar:»

O Velho estremeceu de frio e desespero, as suas pesadas algemas afundavam-se nas suas barbas brancas incomensuráveis que se iam fiando e desfiando em nuvens. Os seus pequenos olhos escuros gritavam mágoa, e a sua mágoa gritava de injustiça. E no entanto, seguiu-se a enumeração das atrocidades por que agora o sentenciavam. O Juiz tossiu e continuou:

«Infanticídio em massa de primogénitos; filicídio premeditado e preparado com particular perfídia; coacção a um pai para que matasse o próprio filho; sucessivos massacres por afogamento diluviano ou por bombardeamentos de enxofre e fogo; omissões que resultaram na morte dos seus seguidores nas mandíbulas de leões; incitamento à homofobia, à misoginia, à xenofobia; tortura em massa pelo sentimento de culpa e pelo terror de um suposto fogo; degradação dos Autores à ignorância e ao preconceito; burla espiritual ao convencer os Autores da existência de uma contraprestação fictícia pela vida de anhos que os coagia a levar; mentiras reiteradas, monumentais, universais e ruinosas com sequelas ainda por determinar no pensamento dos Autores...»

O Velho estremeceu de novo, eles não sabem o que estão a fazer. O Juiz prosseguiu:

«... e porque, e este foi o motivo determinante, qualquer papel do Réu no nosso novo mundo é impensável. Dispensamos quem nos criou a nós. A Nós, os Autores irados e foragidos, e a Nós, o Juiz débil e corrupto e câmara decadente da aplicação da anomia. Por termos sido tão maltratados, pensamos chegada a altura de exercer a injustiça popular e linchar o Pai, nesta mesma Sala. A Nossa era chegou. Seja Ele esquecido.»

E o Velho, doente, curvo, frágil, mirrado e espancado, teria chorado mais se pudesse ter visto o que lhe aconteceu. Mas era cego. E teria soluçado e dito últimas palavras, de conforto ou de despedida. Mas era mudo.
Esvaneceu-se. E as nuvens dissolveram-se, como se nunca tivessem existido.





Rafael Silveira Neves