Era uma vez, há muito tempo, um sultão muito poderoso que vivia num palácio de ouro puro com as suas três mil concubinas, oitenta mulheres e trezentas amantes. Chamava-se sultão Achmed ibn Musa ibn Mehmet ibn Nuh ibn Atif ibn Suleyman ibn Ali e era o homem mais poderoso do mundo e o mais rico e o mais feliz de todos os reis, e sem dúvida o mais amado pelos seus súbditos. Isto, claro, no tempo em que todos os grandes reis viviam quase eternamente.
A sua vida na corte era ociosa e alegre, os seus conselheiros eram fiéis e úteis, as suas concubinas, de porte generoso, as suas amantes tinham um coração do tamanho das suas ancas e as suas mulheres eram de poucas palavras. Por isso era, ou tinha sido, em tempos, o homem mais feliz do mundo.
O sultão Achmed possuía toda a riqueza do vasto império que tinha conquistado com a ajuda dos seus eternamente fiéis mercenários mongóis, que se alimentavam principalmente do nutritivo leite de camelo, do sangue dos seus cavalos, e do de crianças quando as suas montadas já se tinham esvaído até à morte. Estes tinham-no apoiado na subjugação de um território rico, mas mergulhado até então numa grande guerra entre Aldeias-Estado e principados minúsculos. Até o sultão Achmed ter surgido no seu cavalo branco – que dava pelo nome de Aristóteles – a região via-se dominada por magníficos príncipes que lutariam uns contra os outros até à ruína pela posse de um rochedo ou pelo controle sobre um moinho.
Na longuíssima cronologia das guerras deste país, as batalhas mais marcantes tinham sido a do Celeiro Grande, a das Ovelhas e a do Areal.
Na primeira, o exército do príncipe cristão Teodoro CCXXV tinha-se barricado num celeiro que defendeu até à morte do príncipe mouro Maomé LVI, o Sangrento, que esfomeou as hostes de Teodoro até à morte durante o cerco, o que chacinou todos os dezasseis guerreiros cristãos e o príncipe.Os camponeses armados de Maomé LVI fizeram questão de exibir esses 17 corpos na sua aldeia para comemorar a grande vitória que tinha alcançado apesar da ofuscante desvantagem numérica. Demorou um dia inteiro quatro aos homens que compunham as hostes de Maomé para os arrastar até à sua aldeia.
A grande e longa Batalha das Ovelhas ocorreu na noite do festejo do quinto aniversário da Batalha do Celeiro Grande. O aliado de Teodoro CCXXV, Teodorico CCXXIV, o Leproso, passara os últimos 5 anos a planear a vingança da derrota do seu irmão em Cristo. Planeava destruir a economia do território de Maomé LVI roubando-lhe as ovelhas da sua aldeia. Teodorico, o Leproso, reunira o maior exército alguma vez avistado na região – trinta e um guerreiros que faziam o chão tremer e os céus chorar! – e liderava-os, em pessoa, para roubar os ditos ovídeos. Os espiões de Maomé, mascarados de tapetes no palácio de três assoalhadas de Teodorico, haviam-no precavido desta incursão cobarde no meio da noite, pelo que o príncipe mouro pôde organizar a defesa do gado do seu país de forma engenhosa. Mascarou o seu exército inteiro – todos os onze soldados e meio e ele mesmo! – de ovelhas, armados até aos dentes com punhais sob as peles que vestiam, e esperou pacientemente pela vinda dos cobardes nazarenos de Teodorico, o Leproso.
Esperaram longamente a noite fora, até madrugada, pelo inimigo, mas nada viram senão as ovelhas do rebanho que os soldados de Teodorico ambicionavam levar.
Nisto, até os mais experientes e disciplinados guerreiros de Maomé perderam a paciência e, sem nada que comer nem cristão que matar, um dos mais bravos e poderosos homens da horda, Ali, o Frugal, acabou por suspirar por entre as pregas da sua rechonchudeza, depois de nove horas de espera, ao raiar do dia:
“Agora é que eu despachava uns bifinhos de borrego…”E qual não foi a surpresa geral quando, de repente, algum bárbaro de Teodorico, também disfarçado de ovelha, gritou ao seu príncipe:
“Alteza, estamos cercados! É uma emboscada!”
E ambos os rebanhos, o cristão e o mourisco, à espera um do outro há horas, ergueram-se em pânico, rodeados por ovelhas cuja lealdade não poderia ser discernida na escuridão total em que estavam. Logo, lançaram-se numa chacina sangrenta de todas que encontravam ainda a respirar, lutando umas contra as outras, na sua surpresa, ignorando se eram de Teodorico ou de Maomé. Até que houve luz suficiente para que três soldados do falecido Teodorico CCXXIV se reconhecessem, ofegantes e a tremer, antes de se chacinarem.
A batalha do Areal não foi tão sangrenta, mas igualmente importante na História do continente.
Aí, os exércitos de Ivan MII, o Manso e do basileu grego Teodósio MMCCXLIII defrontaram-se na plena expansão dos seus territórios, por um Areal com ricos depósitos de areia, essencial para a indústria de areia de ambas as Aldeias-Estado. Neste caso, os três cavaleiros de Ivan MII, o Manso, foram completamente derrotados por Teodósio MMCCXLIII que, numa fúria tremenda, os derrotou-os aos quatro com a sua fisga e espalhou o sangue dos bárbaros de Ivan pela areia.
Estas cruéis guerras prolongavam-se há oito mil e quinhentos anos, os títulos dos príncipes e dos seus barões eram transmitidos aos sucessores desde os primórdios do tempo, as batalhas e os seus mortos acumulavam-se, o povo vivia cansado e com medo, os artesãos frustrados de tédio cada vez que os seus príncipes lhes encomendavam mais espadas, mais mosquetes, mais velas para as caravelas das suas armadas, suspiravam “quando poderei finalmente forjar ferramentas?”, “quando poderei criar fogo-de-artifício?” e “quando poderei tecer tapetes ricos?”. E as guerras duravam e duravam, entre as 6327 orgulhosas vilas, Aldeias-Estado, reinos de quinhentas pessoas e impérios de meia légua que há muito se tinham esquecido de porque lutavam entre si.
Foi neste contexto que o sultão Achmed, soberano de uma vila maiorzinha que um dia seria uma capital dourada, pegou nas poupanças milenares dos seus domínios, as colocou num monte enorme na sala do seu trono, e mandou chamar os seus nobres, debatendo o que havia a ser feito no continente para acabar de uma vez por todas com a guerra que parecia não ter fim. Para além do mais, ouviam-se relatos de uma hoste fenomenal de bárbaros mongóis, sujeitos sujos e sangrentos, mas incrivelmente ingénuos e estúpidos.
Foi então do consenso geral da sua corte que a única solução para acabar com as guerras mesquinhas de há milénios seria unificar todos os reinos, fossem eles gregos, árabes, turcos, latinos, germânicos, francos, mouros ou judaicos. E para o fazer, teriam de tornar os mongóis nos seus mercenários para subjugar todo o reino, de forma a que todos os nobres aceitassem Achmed ibn Musa ibn Mehmet ibn Nuh ibn Atif ibn Suleyman ibn Ali como o seu sultão supremo e imperador.
Depois de cavalgar ao seu encontro em pessoa, o sultão Achmed encontrou o acampamento mongol, e prometeu a todos os vinte mil guerreiros três cavalos novos e uma renda anual se o ajudassem a conquistar todos os reinos e Aldeias-Estado. Felizes com a promessa, os mongóis limitaram-se a dividir a sua horda em quarenta exércitos mais pequenos, que então viajaram por todo o continente ordenando aos outros soberanos que se submetessem ao Sultão Achmed I, o Grande, Imperador do Continente. O povo todo esqueceu as etnias e religiões e lançou os braços ao céu, feliz por a guerra acabar, e viu o sultão Achmed como um salvador, e aclamou-o como único soberano digno de governar todo o continente. A maioria dos nobres aceitou prestar-lhe vassalagem de bom grado, e viu nele o mesmo salvador que o povo. Outros nobres, pensando que se tratava de mais um estratagema bélico mesquinho, recusaram-no, gritando que preferiam entregar os seus filhos ao Demónio. Neste caso, os mongóis solicitaram amavelmente que repensassem o que tinham dito após entrarem-lhes pelos palácios adentro e comendo a sua descendência viva.
Os mercenários mongóis tornaram a unificação do império mais fácil, portanto, chamando à razão de forma original todos os que se opunham. Em breve, os mongóis já não seriam necessários, pois um grande orgulho nacional tinha surgido por todo o império surgira, tornando todos os príncipes, barões e cavaleiros fidelíssimos a Achmed, que possuía o maior exército do mundo. Este tinha resolvido as disputas territoriais decretando que já não teriam razões para se guerrearem, pois tudo seria de todos, a pátria era apenas uma e todos tinham o direito de a povoar como entendessem, desde que não tirassem nada a ninguém.
Muito depressa, o comércio, a agricultura e a indústria floresceram, e criou-se uma capital chamada “Viva Achmed” na velha vila do sultão, que se tornaria num pólo de saber, de beleza e de arte. Aí, o imperador e sultão criara uma das cidades mais populosas, limpas e ricas do mundo, sendo o seu centro o seu palácio, construído a partir de ouro puro, angariado por meio de um imposto especial por duvidar do poder de Achmed I, o Grande.
O desenvolvimento rápido do país tornara todos os habitantes felizes, e o sultão também o foi durante séculos, até que se sentiu entediado pelo ócio e pela alegria enfadonha e monótona da sua corte.
O reino crescia rapidamente, até demais, portanto Achmed decidiu que era chegada a altura de solicitar amavelmente aos habitantes de um reino numa ilha vizinha que abandonassem as casas e campos para fomentar actividades no sector imobiliário, de modo a albergar colonos do seu império. Para além do mais, a ilha transbordava de ouro, prata e outros minerais que fariam falta na ala do harém do palácio de Achmed. Desde que chegara ao poder, não o largava a ambição de ter o palácio e a vida mais soberbos e um nome eterno e uma casa-de-banho feita inteiramente de prata.
A conquista do reino da ilha foi célere e sem grandes dificuldades, os guerreiros mongóis demonstraram mais uma vez os seus dotes diplomáticos, chegando a compromissos com os nativos, negociando por um preço adequado - nada - as suas propriedades.
Em pouco tempo, o povo da ilha, uma estirpe de gregos, compreendeu que tinha chegado a sua vez de procurar novos territórios e novas riquezas, portanto reuniu-se, na sua maior parte, nas costas do seu antigo reino e levantou âncoras rumo à glória e às alegrias da aventura. Os restantes foram escravizados.
O povo de Achmed enriquecia ainda mais, o próprio Achmed também alcançava todas as riquezas que procurava. Mas a vida na corte tornava-se de novo monótona, precisava de algo novo para oferecer ao povo e ao seu grande ego de homem que usufrui da companhia de cerca de quatro mil grandes mulheres, milhares de toneladas de feminilidade.
Havia uma outra ilha, conhecida por ser a maior produtora do mundo de pedras de calçada, palha e diamantes. Achmed achou que mais riqueza fazia falta no seu império, portanto mandou os seus mongóis de novo para negociar com os germanos bárbaros que nela viviam, que depois de delinearem muito bem o abandono da ilha e de morrerem de forma hierarquizada e organizada - como apenas os germanos o sabem fazer! - e de chorarem disciplinadamente e de forma fria enquanto negociavam poderem manter parte da sua riqueza se entregassem todos os seus filhos e mulheres aos mongóis, os germanos abandonaram corajosamente a sua ilha, convencidos de terem tido um comportamento exemplar: Tudo tinha corrido de forma linear, não tinham sujado as ruas das suas aldeias e cidades pacíficas e esterilizadas com o seu sangue. A sua organização e limpeza era a prova de que tinha sido a melhor decisão.
Tambem Achmed achou que tinha sido a conclusão mais feliz possível. Mas séculos depois, quando começou a fartar-se das mossas que as suas grandes mulheres deixavam nas armações das suas camas de prata, Achmed decidiu partir ele mesmo, mais uma vez, com uma grande armada para conquistar mais uma ilha, a mais rica do mundo conhecido em pardais, areia - como o neto de Teodósio MMCCXLIII, Teodósio MMCCXLV, se alegrou por poder expandir lá a sua indústria enviando colonos seus, antigos combatentes mongóis, incrivelmente ingénuos e estúpidos! - e sobretudo, a mais rica em rubis.
A grande armada, com uma caravela baptizada em honra de cada uma das mulheres e concubinas e amantes de Achmed I, estava a metade do caminho quando foi assomada por uma terrível tempestade que destruiu toda a frota e todos os náufragos foram levados por correntes diferentes, e afogaram-se ou morreram de fome ou sede enquanto flutuavam. Outros, ainda, foram levados em grupo pelas correntes até bancos de areia no meio do oceano, onde tentaram estabelecer pequenas indústrias de extracção de areia. Naturalmente, isto revelou-se uma perda de tempo, pois também morreriam de fome. Que bárbaros mongóis tão incrivelmente ingénuos e estúpidos!...
Achmed, enfim, não teria a sorte de morrer sozinho. Estava sozinho, no meio do mar, destronado de um império que se desfaria depois da sua morte não por não deixar sucessores, mas por ter criado desses em demasia. Quando o seu estômago rosnava, perguntava-se se não tinha sido um pouco-tanto ganancioso e se aquilo, no fundo, era evitável e indesejável.
Estava a morrer de fome e de sede, mas foi salvo por uma frota de navios. A princípio ficou eufórico por já não morrer, por poder pagar aos marinheiros com terras suas se o levassem de novo a qualquer cidade do seu império.
Mas não teve essa sorte. Eram piratas sujos, de traços cruéis e duros que se divertiam desancando gatos e chupando o tutano dos oços de prisioneiros vivos. Acorrentaram o sultão Achmed e trouxeram-no à presença do líder daquela frota pirata, que ficou a saber que se chamava Hrocknart, o Doce. E perante os olhos negros daqueles homens que tinham alcunhas como "Faca", "Estripador", "Estripa-Gatos", "Estripa-Imperadores" e "Viola-Sultões", Achmed tremia e contava a sua história. Os piratas olharam entre si uns segundos com olhares que deram arrepios ao sultão por o lembrarem demasiado das suas mulheres e por fim, Hrocknart proferiu a sua sentença:
"Ó grande sultão, somos a tribo germânica que despojaste de mulheres e expulsaste para as entranhas do mar. Para sobreviver, o nosso povo teve de se tornar num de piratas e corsários, raptando novos recrutas, já que não podemos procriar sem fêmeas. Por isso também desenvolvemos hábitos muito, digamos...sui generis."
E todos os piratas anuiram, sorrindo para Achmed e lambendo os beiços. Este perguntou, consternado...
"E que hábitos são esses?"E Hrocknart, o Doce, respondeu:
"Talvez se te apresentar parte da nossa tripulação passes a perceber. Aqui tens o "Faca"... de epíteto, "o Que Nunca Gane".... aqui tens Fraygnir... de epíteto, "o Grande"... Vê como esse querido sorri quando falamos do seu cognome, hehe. Bem, continuando... aqui tens Klauggur... de cognome "o Carrasco".... e Ugmann.... "o Que Usa Cobras e Enguias".... Ó grande sultão, com isto tudo desejo que conheças a nossa natureza, a natureza a que nos forçaste. Décadas do alto-mar para onde nos baniste forçaram-nos a ser o que somos e aquilo em que, por ironia do destino, também te converterás devido à tua ganância. Serás para sempre o nosso prisioneiro, escravo do nosso povo, propriedade do Estado, do único Estado que nos permitiste ter, o do alto-mar, onde ninguém te ouve."E foi assim que o sultão Achmet I, o Grande e o Destronado, navegou para sempre, à procura da aventura, depois de ter engolido o orgulho e quebrado a sua dignidade que sangrara, no início, na companhia do Povo dos Piratas Sodomitas.