Este post já devia ter sido publicado há muito tempo. Creio que está na altura de, finalmente, manifestar aquilo que penso e sinto em relação à União Europeia, já que cada vez que o faço, nunca tenho tempo para explicar a minha opinião.
Creio ainda que este é o momento ideal para o fazer, tendo em conta que as eleições ao Parlamento Europeu se vão realizar já no próximo domingo.
Eu sei em quem vou votar. Não porque o candidato cabeça-de-lista me agrade particularmente, mas porque com ele virão mais deputados com uma orientação que eu perfilho: quanto mais Europa, melhor.
Votarei no único partido que compreende aquilo que a Europa significa, o único que não usa - demais, convenha-se... - as eleições europeias como as pré-legislativas, pois isso é cair no grande erro, no grande vício dos portugueses, e pensar que o que está em causa é o mero bem-estar nacional, e não o bem-estar e o desenvolvimento da Europa como um todo.
Por motivos históricos, talvez, tendamos nós, portugueses, a desconfiar de forças políticas que nos reduzem a uma parcelazita de terra à beira-mar plantada. Parece que sempre que Portugal se vê confrontado com a possibilidade de perder a sua soberania no todo ou na parte se une, como país culturalmente homogéneo que é, para lembrar "mas... mas somos portugueses! - e não aceitamos NUNCA que nos digam como reger o nosso país, que tanto nos custou a trazer à vida e a manter!". Lembremos as guerras com os nossos vizinhos; com Napoleão; o protectorado britânico após as invasões francesas; e o nacionalismo tradicionalista e romântico do Estado Novo do "orgulhosamente sós".
Os mais patrióticos - quer por estas lembranças históricas espreitarem por detrás das cortinas, nos bastidores do seu pensamento, quer não - fazem finca-pé, lembrando que somos uma nação valente e imortal de heróis do mar, na nossa História, Língua, cultura; e afirmam com toda a confiança e «orgulho em ser português» que somos capazes de nos arranjar sozinhos.
Mas coloco a questão - haverá país algum capaz de se desenvolver sem ajuda estrangeira? Haverá povo algum que, nas alturas áureas do seu apogeu de glória, não tenha precisado de uma mão alheia para o puxar para o seu Olimpo?... Não terá sido a
nossa idade do ouro aquela em que tivemos o globo nas nossas mãos pelo
doux commerce, coroando-o com um império de «ouro, canela, marfim», por trocarmos com Américas, Índias e Áfricas, não por as pilharmos; por enriquecermos as cidades e entrepostos muçulmanos, e a nós mesmos, e não por as queimarmos?... Teríamos conseguido erguer um império sem aqueles que Camões representa como nossos inimigos?
São ingénuos os que pensam que foi só pela força bruta de uns quantos marujos tugas que Portugal chegou onde chegou nos séculos XV e XVI. Nunca Portugal se ergueu sozinho. Aljubarrota? estavam lá ingleses que nos ensinaram a formação que determinou o resultado da batalha. Os descobrimentos? foram os venezianos e genoveses que nos ensinaram sequer a nadar; os árabes deram-nos os instrumentos de navegação. Para quem ainda tem o arrufar de tambores de guerra a ecoar nas veias e no coração desde 1640 - foi sob os primeiros Filipes que tanto Portugal como Espanha chegaram ao seu auge no domínio político. E como todos sabem, O Marquês de Pombal era um fortíssimo adepto da importação da cultura filosófica, literária e jurídica iluminista "das nações polidas e civilizadas da Europa", nas suas palavras.
Não pensem que descreio no nosso potencial enquanto país ou povo; ou pior - não pensem que não me sinto ligado à minha terra-mãe; é apenas um facto que, tal como todos os países, Portugal nada fez sozinho.
E por isso é que o nacionalismo político é estúpido.
Aquilo que a União Europeia traz é algo de diferente. Não está em causa qual país fica a ganhar ou a perder; qual a nação privilegiada por um paneuropeísmo e qual a nação oprimida: o que está em causa é o aprofundamento gradual numa - quer queiram, quer não - inevitável federação europeia com UM povo e UM governo central a par dos governos nacionais - tal como nos Estados Unidos ou na Alemanha ou na Suiça.
E os patriotas tremem, tremem.... "que nos vai acontecer?!.... Não foi por isto que traçámos as nossas fronteiras a sangue!"...
Pois bem - enquanto escrevo isto, a Europa floresce, e as fronteiras lentamente dissipam-se como a ficção romântica e nacionalista que são... E o sangue de 1539 anos (desde o início da queda de Roma até ao fim da 2.ª Guerra Mundial) de massacres, de batalhas, de guerras por meia dúzia de quilómetros quadrados de terra são absorvidos pelo solo; e o solo um dia vai desconhecer se é italiano, alemão ou francês - porque as nações não serão das terras, mas dos corações de cada Europeu. E será dos estandartes caídos perante generais corajosos e ardentes de amor à pátria e ao povo, absorvidos pela terra; da poeira dos cavalos e tanques de guerra; da pólvora vã; dos corpos de pessoas como tu e eu, caídas, apodrecidas, e esquecidas por nada; das massas de inocentes chacinados - será de tudo isto, degenerado, esquecido, perdoado, de todos estas desumanidades biodegradáveis que se formará -e forma neste momento - o solo da grande Federação Europeia, fértil e rico o suficiente em memórias negras - mas também em lembranças belas - para que compreendamos:
Que as nossas semelhanças, Europeus, nos devem unir, e que as nossas diferenças nos devem completar, e não dilacerar, nem dividir, nem alimentar as grandezas irracionais do patriotismo político degenerante em nacionalismo que SEMPRE levou à guerra!Quantas guerras se contam desde o nascimento definitivo do nacionalismo, no início do século XIX, na Europa, até à segunda guerra mundial, quando se viu que não era grande ideia juntar essas ideias românticas à política? Em 150 anos, são dezenas e dezenas delas.
E quantas guerras se contam na Europa desde que se fundou a CECA?
Nenhuma.
O problema dos nacionalistas políticos portugueses é não se lembrarem do cheiro a carne humana queimada, do rugir de armas e do grito de inocentes que nada têm a ver com a guerra.
Ou será coincidência que os países europeus mais afectados pela 2ª Guerra Mundial sejam hoje os mais europeístas?
A Europa trouxe-nos paz na nossa terra, sim. Algo que nós, portugueses, já saboreamos docemente há tanto tempo que nem nos apercebemos da sorte que temos em não termos edifícios de 30-40 anos a substituir aquilo que em tempos teria sido o terreiro do paço. Os berlinenses não têm a mesma sorte que nós.
Mas aquilo para que quero chamar a atenção não é aquilo que a Europa fez por nós - falo da paz porque para mim é o que mais releva, mas podia igualmente bater obsessivamente na tecla económica e social - mas o que pode fazer.
Para isso, gostava de explicar um fenómeno análogo àquele que está a acontecer na Europa neste momento.
Até 1871, a Alemanha foi um mosaico de Estados de maior ou menos dimensão - alguns tão grandes como Portugal ou maiores; outros, nem chegariam ao tamanho do concelho de Loures. Foi pela chegada do romantismo e da ideia de que a todos os alemães seria comum uma ancestralidade de heróis como Sigurd, Carlos Magno e Frederico Barbarossa, que o povo alemão nasceu como detentor de um Estado único, de uma só Federação.
Contudo, o facto de se erguer como um único povo nunca eliminou o facto de que a Alemanha continuou a ser um mosaico de nações durante muito tempo. A multiplicidade de culturas, dialectos, tradições, orientações religiosas que fora oprimida por Hitler (para gerar a ilusão de que o povo alemão seria totalmente homogéneo e que por ser uma única «nação alemã» poderia vingar como comunidade política) renasceu no pós-guerra, e hoje a Alemanha é de novo um Estado Federal que não ignora, antes respeita as diferenças - desde o romantismo, algo residuais - entre Bávaros e Saxões e Suavos e berlinenses.
Porque não uma Europa com
um povo, mas muitas nações? Porque não uma união federal ou a caminho de uma federação efectiva, fundada na dignidade da pessoa humana, na autodeterminação dos Estados europeus, na solidariedade social do Estado de Direito, dirigida à protecção da Europa como um todo, e à preservação e promoção da cultura, língua, etc. dos povos que fazem parte da União?
Eu sou patriota. Mas dificilmente me encontrarão um dia a dizer que tenho
orgulho de ser português. Para mim, não há necessidade de o afirmar, nem sequer vejo que possa ser uma questão de orgulho - tenho
amor a Portugal, à sua história, à sua cultura, ao legado de 600 anos de literatura que nos deixaram os nossos antepassados, à sua língua. Isto implica tão-somente que para mim o patriotismo é algo que só faz sentido, hoje, ao ler os nossos poetas, ao vaguear sozinho pelas nossas paisagens, ao ouvir a nossa música - mas nunca encharcar o nosso legado cultural único e rico em sangue, nem deixar que o meu amor a Portugal degenere num desprezo pelo estrangeiro ou sequer numa indiferença.
A União Europeia quebra todas as razões que teríamos para nos isolarmos. Está na Hora de partilharmos aquilo que Portugal é, de revelarmos o esplendor da sua beleza aos nossos vizinhos; Um dia, o nosso «braço vencedor deu novos mundos ao mundo», pelas naus que levavam ao globo todo ouro e traziam de volta especiarias e marfim.
Está na Hora. Levemos o que é nosso à Europa, e importemos também aquilo que os nossos vizinhos têm para nos oferecer. Portugal merece-o; a Europa também.
A Europa é um sonho realizável. E é o sonho que vai realizar Portugal e todos os Estados-Membros pela paz, pela prosperidade, pelo respeito mútuo, pela valorização do que nos une (o Direito, o passado do iluminismo, o liberalismo, ou até o legado moral e cultural do Cristianismo...) e pelo enriquecimento científico, cultural, económico, social e académico. E tudo isto lembrando sempre, como Europeus, que o que nos diferencia é o resultado de desenvolvimento milenar de nações brotadas de um império caído que um dia proporcionou, dentro de uma multiplicidade de culturas, a unidade política. O que nos diferencia é de origem comum, é o que nos enriquece, é o que nos completa.
In Varietate Concordia.É a Hora.