A propósito deste assunto, que me diz menos respeito do que podem alguns julgar, tenho alguns pontos a apresentar na tentativa de clarificar algumas, na minha opinião, formas erradas de entender a questão bem como de refutar alguns argumentos fornecidos por aqueles que se opõem a esta realidade.
1. O casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser instituído pois não existe nada na sua definição que o impeça. Senão vejamos, o casamento é uma instituição entre duas pessoas que acedem a constituir uma entidade única do ponto de vista social e económico, sendo preferencialmente esta constituição do conjunto - casal - efectuada na base do entendimento mútuo, empatia, companheirismo e amor (sem contudo ser condição necessária). Esta definição de casamento ou de constituição de casal, que é de facto a existente na nossa sociedade actual, nada contempla sobre o sexo dos intervenientes e muito menos sobre o suposto objectivo da procriação (se fosse o caso não seria possível legalmente senhoras casarem após a menopausa ou teriam de ser feitos testes de fertilidade aos nubentes
a priori apenas para dar um exemplo).
Neste contexto em que nada na idealização e estrutura da entidade "casamento" obriga à heterossexualidade do mesmo é claramente discriminatório que este seja vedado a pares do mesmo sexo, como seria sê-lo a pares inter-raciais ou a pares inférteis. Como tal, e no sentido quer da constituição portuguesa quer da declaração dos direitos humanos, urge ao legislador eliminar as fontes de discriminação sejam elas quais forem e mesmo contra a vontade da maioria, pois não se trata de uma questão política mas sim ética.
2. Até aqui sempre me referi de modo equivalente à constituição de um casal, ou de um par de pessoas no sentido supra indicado, como a um "casamento", muitos foram aqueles que defenderam que se deveria criar uma nova terminologia para o caso desta união de duas pessoas em casal se dar no caso homossexual. Ora acontece que essa sugestão é vazia de sentido, o que se pretendia era de certa forma alterar o conteúdo semântico da palavra «casamento» de forma a só poder abarcar o caso heterossexual e criar uma nova palavra ou expressão para o caso homossexual (fantástico como os políticos adoram inventar palavras eu ainda não esqueci as fantásticas "arruadas") ora esquecem que a língua e a conceptualização de um povo não está sujeito a nenhum nível de legislação (por mais que tentem), mesmo que fosse aceite dar um novo nome ao casamento entre pessoas do mesmo sexo não me parece que de forma alguma se ouvissem frases do género:
"Mãe, pai, olhem vou-me unir registando civilmente com o João, estamos a pensar convidar as famílias para a festa da união civil registada";
ou numa apresentação
"Este é o Pedro o meu unido civilmente registado" (aqui dava vontade de perguntar pela vacina)
e nem mesmo no mercado publicitário
"Pastelaria - Fazem-se lanches de baptizados, casamentos e uniões civis registadas".
Quero com isto mostrar que o nome que lhe derem não marcará a diferença socialmente (da mesma forma que actualmente se alguém diz estar casado com outro não se pergunta se é casado ou unido de facto) a noção de casal e de casamento no domínio da língua ocupa todas as variantes legais e religiosas que existam. Portanto se a alteração semântica não seria possível só se pode ver a tentativa de criação de uma segunda designação como uma forma implícita de discriminação e diferenciação contrária à constituição que consagra a não discriminação com base na orientação sexual.
3. Também foi apresentado o argumento de que o parlamento teria assuntos mais importante a resolver e discutir do que este assunto, no entender de alguns secundário, ora esta é uma falácia até bastante simples de desmontar. Como já referi acima a questão da igualdade de acesso ao casamento não é uma questão política obviamente que tem enquadramento político, mas transcende-o. Trata-se, isso sim de matéria de direitos, de não discriminação e de igualdade perante os mecanismos legais e sociais desta forma só existe um tempo próprio - quanto antes! - um legislador que pretenda ser ético além de justo não pode preterir ou adiar uma questão de direitos fundamentais (aliás todos os santos governos ocidentais se queixam da falta de avanço das questões dos direitos fundamentais em vários países mais orientais...). Além disso do ponto de vista puramente pragmático não é UMA sessão do parlamento dedicada ao casamento homossexual que atrasa o que quer que seja.
4. Falta por fim, e em jeito de conclusão, discutir a necessidade social e as consequências que esta abertura trará. Embora como apontam os opositores ao casamento entre homossexuais, neste único caso com razão, a larga maioria do cerca de um milhão de portugueses homossexuais não se encontre disposto a demonstrar a sua sexualidade ou mesmo não se sinta à vontade com a mesma, esta aprovação na assembleia tem, além do valor simbólico importante, o sentido de trazer para a ordem do dia a homossexualidade e as suas manifestações não será de ora em diante uma questão que se possa tentar ignorar ou tentar esconder o mundo heterossexual e em particular o universo homofóbico terá de se confrontar com a realidade de que os homossexuais existem, são iguais a qualquer outra pessoa sob qualquer prisma e acima de tudo têm o direito à sua visibilidade nos mesmos moldes que os heterossexuais. Com visibilidade não quero significar ostentação ou provocação que tal como no caso heterossexual são pouco elegantes mas cada vez mais a camada homossexual da sociedade tem as ferramentas à sua disposição para se afirmar e demonstrar toda a sua importância na sociedade e de um modo pedagógico demonstrar que nem os heterossexuais têm nada a temer da homossexualidade nem os homossexuais têm a recear em assumir a sua sexualidade nos círculos que acharem apropriados.