Donnerstag, 8. Oktober 2009

No Meu País...



As ruas do meu país são bonitas mas estão vazias, são largas e monumentais avenidas antigas que no entanto não acusam a mais leve passagem do tempo. Há muitas paradas, mas não se faz lixo ou mácula. As cidades são coerentemente eclécticas, não há uma rua igual à outra. Na malha ortogonal cruzam-se todas as eras e civilizações sem nunca se mesclarem entre si, cada rua é coerente consigo própria.

No meu país as pessoas discutem muito, mas nunca se zangam. Discutem racionalmente tudo o que é e não é passível de assim ser discutido. Filosofia, ciência, humanidades, amor, ódio,…

No meu país as pessoas não se conhecem, não frequentam as casas umas das outras, não há famílias. Reúnem-se em cafés, bares, salões e festas. Ninguém se apercebe do clima que caracteriza o meu país porque tudo é invariante a este. As pessoas prosseguem sempre os mesmos hábitos, vestem-se sempre da mesma forma.

Há ainda assim muita diversidade mas tal como as ruas, não se mistura como água e azeite e é assim nas pessoas, na natureza, nas paisagens, em tudo.

O meu país é uma ditadura mas ninguém sabe quem a dirige. Os serviços secretos são um poder sem rosto desta força desconhecida que o dirige.

O exército é imenso e interminável mas é incapaz, inapto para a luta. Vestem fardas ornamentadas e possuem inúmeros rituais. Há planeamento e rigor de todas as eventualidades e possíveis acontecimentos militares, mas ninguém, nesta massa humana sabe pegar numa arma para fazer a guerra.

Somos um país imenso e excessivamente organizado. Este nosso exército imenso e maquinal assusta as outras nações, não temos guerra.

Os serviços secretos asseguram aquilo que a inépcia do exército nunca poderia evitar e eliminam as possibilidades de conflito mas se nos invadem, vamos à vida.

No meu país, as crianças só saiem de noite. No meu país todos os cidadãos possuem uma infinidade de títulos, cargos e responsabilidades oficiais. Como toda a gente ocupa todos os cargo em todas as áreas não existe uma verdadeira hierarquia. Somos um povo orgulhoso e vaidoso, mas não nos lembramos porquê.

No meu país somos todos muito diferentes em aspecto, mas no fundo somos todos iguais. No meu país os sentimentos não florescem, transformam-se em livros, poemas, tratados, artigos, ensaios… Temos milhões de bibliotecas intermináveis em que toda esta obra acaba depositada e esquecida. As bibliotecas são tão extensas, os seus corredores tão longos e labirínticos que ninguém ousa visitá-las, foram projectadas com esse propósito.

No meu país não temos telefones, só escrevemos cartas. Não existe televisão mas fazemos muito cinema, teatro e televisão também só que os filmes nunca são terminados e as cenas sucedem-se, as peças de teatro são ensaiadas sem término, os programas televisivos são gravados e regravados mas nunca são lançados. Assim é toda a arte no meu país.

Ensaiamos, experimentamos, pensamos e concebemos mas nunca terminamos, a obra é por definição inacabada, as obras não são lançadas apesar de termos sempre datas planeadas para o fazer, datas essas que se prolongam pelos séculos. Temos grandes movimentos artísticos, orquestras, estúdios, ateliers, escolas… As orquestras não actuam, ensaiam; os pintores não expõem, experimentam porque nenhum artista consegue obter aquilo que imagina, a perfeição não converge, então para sempre ficam no estado de concepção.

Ninguém sabe ao certo quantas pessoas existem neste país meu. Como as pessoas fazem um sem fim actividades e ofícios e ocupam uma infinidade de títulos e cargos e hierarquias, toda a gente é tudo e nada, parecemos ser biliões mas podemos não passar de uma dezena, ninguém sabe.

No meu país as pessoas têm muitos nomes, como se sentem presas por apenas um, adoptam milhares de nomes, não há minuto que passe sem que um novo nome lhes surja.

No meu país as pessoas não morrem e são sempre jovens fisicamente. Acontece que um dia ficam simplesmente catatónicas. Não as enterramos porque estão vivas, então ficam nas ruas como estátuas, a nossa única arte que se conclui porque ninguém distingue estas pessoas de objectos inertes.

No meu país não acreditamos em Deus mas temos grandiosos templos de todas as religiões; tal como a maioria dos sítios neste meu país, encontram-se quase sempre vazios.

As pessoas passam os dias nas ruas vazias e extensas a discutir e a passear.

São as crianças que constroem o meu país. De noite, quando saiem, invadem uma qualquer zona e erigem quarteirões, ruas e bairros inteiros numa só noite.

Os serviços secretos que tudo controlam não as conseguem ver, aliás a partir dos 12 anos, as crianças no meu país são adultas e deixam de ver as crianças, os adultos não as vêem, só se recordam delas da sua infância.

Por isso ninguém sabe onde vivem, donde vêm e quem são. Rumores falam dos esgotos monumentais mas ninguém lá vai.

As pessoas do meu país como conquistaram a imortalidade, não têm necessidades fisiológicas. Não comem, não defecam, não nada. Ainda assim temos casas de banho, hospitais e todo o tipo de estrutura associadas à natureza do animal humano. Essencialmente assim acontece porque temos que ter profissões.

Por exemplo, temos médicos mas nenhum deles saberá intervir se necessário. São sábios e escrevem longos tratados e extensos artigos profusamente descritos até ao mais ínfimo detalhe, ilustrações, cálculos e deduções mas nunca ninguém na realidade experimentou nada.

Não temos cemitérios, as pessoas vão ficando pelas ruas, tiram-nas do caminho e usam-nos como ornamento nos parques e jardins porque não morrem, ficam catatónicas.

Há muitas mães no meu país mas nenhuma delas sabe quem são os seus filhos. Não se lembram que os tiveram e como tal nem sabem que o são, mães. Os adultos no meu país não se despem, vestem sempre a mesma roupa, trajes elaborados que diferem em estilo, era e espírito mas que são sempre cuidadosamente elaborados mesmo que fossem andrajos. Podem andar sempre imutáveis porque não possuem necessidades fisiológicas.

Tivemos três guerras no meu país. Tivemos uma primeira guerra ideológica que terminou num armistício que fundiu as forças opositoras.

A segunda guerra foi um artifício de propaganda, nunca tendo ocorrido na realidade. A imprensa anunciou a guerra, as tropas foram mobilizadas e todos acreditam que houve porque somos um país tão grande que toda a gente ouviu falar de alguém que esteve nessa guerra fora das nossas fronteiras mas ninguém conhece ninguém que realmente lá tenha estado até porque nunca ninguém neste país se aproximou sequer das fronteiras do nosso extenso território. Foi uma guerra inventada pelos serviços secretos.

Por fim, a última guerra que nos assolou foi uma invasão estrangeira. O inimigo enviou milhões de soldados mas nunca os suficientes para fazer face aos nossos territórios intermináveis, às nossas cidades infinitas, havia sempre mais ruas, mais esquinas, mais avenidas e o exército do inimigo acabou por se desfazer na nossa imensidão como o exército francês na Rússia. Ninguém sabe porque fomos invadidos ainda hoje, muito se escreve sobre o assunto.

Diz-se à boca pequena que vivemos em guerra civil permanente mas ninguém sabe ao certo entre quem e não há sinais óbvios de guerra civil. Dizem os rumores que se deve à intervenção dos serviços secretos na gestão do conflito, que cuidadosas operações de limpeza e abafamento são levadas a cabo e nesses sítios as pessoas supostamente discutem mais ou ficam silenciosas e as ruas supostamente são mais limpas, mas na realidade não passam de boatos porque ninguém neste país sabe usar uma arma ou levantar os braços para agredir quem quer que seja mas tornámo-nos vítimas do nosso poder sem rosto.

Não há carros no meu país. Só andamos a pé. Os carros não servem para nada precisamente porque o país é tão extenso que ir a qualquer lado a pé ou de carro é irrelevante, como somos imortais o tempo não significa nada para nós e como tal nunca temos muita pressa de chegar onde quer que seja. Há ainda assim, quem tente atravessar o país inteiro a pé.

Não conhecemos outros países embora tenhamos milhões de embaixadores, diplomatas, geógrafos, mapas e estudos étnicos mas nunca ninguém foi a lado nenhum na realidade. Ficámos fascinados aquando da última guerra precisamente porque fomos visitados mas ainda hoje há dúvidas se esse invasor não tenha surgido meramente dentro do nosso país a partir dos fenómenos de diferenciação que já descrevi.

Há auroras boreais no meu país. Como as realidades não terminam neste meu país, não temos museus porque simplesmente não percebemos o conceito. O tempo não começa nem termina nem se move, não há velho nem novo, há sempre mais, mas tudo o que houve se mantém. Não sabemos o que é antigo, não sabemos o que é não ser o que já se foi. Existe sempre tudo.

André Cunha

2 Kommentare:

Anonym hat gesagt…

Quando muito, lá no teu país, as crianças só saem de noite.

André Cunha hat gesagt…

No meu país saem escreve-se saiem.