Samstag, 31. Oktober 2009

Glosando o Mote «Ele viu a Alma da Vida»


Mote


Ele viu a Alma da Vida,
Adormecida no trono,
E acordou-a do seu sono
C'um beijo de despedida.


Glosa


Ansiando dançar nos ventos
E cantar até estar rouco,
Um dia um poeta louco
Afogou-se em pensamentos.
E andou na estrada tecida
A partir dos sonhos do Homem;
E nas luzes que o consomem
Ele viu a Alma da Vida.

Colheu rosas de cristal
- de cristalizado amor -
Para depor no fulgor
Da Torre celestial
De mudos muros de sono,
Onde pelos sonhos vela
Sua Guardiã, tão bela,
Adormecida no trono.

Nos doces olhos fechados
Encerrava a luz dos céus;
E o poeta viu que eram seus
Os sonhos que eram guardados.
Vendo o Anjo e o seu abandono,
Quis cantar aos ventos, rouco,
Que a amava e que era louco,
E acordou-a do seu sono.

«Eu sou o Sonho, a Alma da Vida,
Vagueio, em sono profundo.
Eu sou a poesia do Mundo;
Luz do dia - anoitecida;
E a tua noite - amanhecida.»
Disse, sorrindo, a Guardiã.
E sumiu-se, - até à manhã,
C'um beijo de despedida.
Filipe Bastos

Freitag, 30. Oktober 2009

A Verdade é Soberana Nesta Casa


Vivi sempre na cabeça e agora conheço o coração. Cabeça esta que sempre aspirou a coração mas que agora por ele se deixou enjaular. Cabeça esta que dita desesperada os termos da minha clausura e opressão mas que este coração rejeita levando-me a labirintos por onde sempre caminhei mas onde nunca me perdi, labirintos que para mim eram corredores bem definidos.

Agora já não sei agarrar-me e não sei onde estou. Levaram a minha tocha e perco-me no negrume do meu interior e fujo, fujo para não encontrar aquilo que sei que me espera no fim deste tango de silêncios, deste carrocel desvairado.

Sempre me pintei como a uma tela mas agora as tintas misturaram-se e já não encontro as cores. As correntes da minha ética partem e o ferro negro é cada dia mais vermelho e a cabeça não suporta e castiga-me com enlaces divinos.

Nem sei porque professo estas palavras, já perdi o seu significado, quanto mais vejo mais odeio este retrato que agora tenta ganhar vida das sombras que o contemplam.

Sombras de formas indefinidas que bailam entre chamas num reflexo de água cristalina que provoca a sede daqueles que a bebem escorrendo em suores frios pelas faces cavadas por um escopro afiado.

E é este o estupro em que consiste o sentimento. É monstro que nos desonra a alma, qual besta amordaçada que rasga com os dentes os quistos que lhe afloram pelo corpo que nos destrói dentro da jaula da nossa ética até ao dia em que se dissolve no sangue de uma intenção não concretizada.

É este o preço dos why should I’s quando se abdicou da urgência dos now’s e não se avança a braçadas largas nas torrentes dos why not’s.

É esta a face do pânico, da angústia não revelada, da cabeça que renega o coração que a domina e se encerra entre smoke and mirrors em personificações daquilo que não se permite que nasça fora das grutas da alma.

Estou esgotado…

A verdade foi parida. É um rebento grande e grotesco que não cabe pelo sifão da minha alma. Tirei-a de cesariana mas só a vi envolta em vestes ensopadas com este meu sangue. A quem anuncio o nascimento? Terá nascido morta? Antes de ser verdade já será mentira? Tem vergonha, por isso está envolta ou será que é a mãe que dela se envergonha?

Nas ilhas aladas, num baptismo de rapina, a Oliveira só dá flor, nunca o fruto.

André Cunha

Provérbio islâmico I



«Nenhum caminho que leve a um amigo é demasiado íngreme.»

provérbio árabe

O Divã Islâmico



As-salaam Aleikum.


Declara-se assim inaugurada a ala islâmica do nosso Jardim. Desde o momento da criação deste blog, já se previa como necessário que viéssemos a colocar posts de poesia, filosofia e cultura árabe, turca ou persa.

Agradecimentos ao Iko por me ter inspirado a este acto inaugural pela sua generosa oferta de um livro sobre Omar Khayyam.

A cultura islâmica é rica, e os bloguistas desta casa hão-de muito conversar e discutir com deleite teses de Averróis, ensinamentos do Profeta e versos de Rumi.


Maktub.

Mittwoch, 28. Oktober 2009

Não sei quanto a vocês, mas põe-me nervoso...

... o facto de neste momento o futuro de toda a União Europeia depender de uma decisão dos 15 juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional checo. Parece que eles próprios ainda estão muito divididos quanto à não inconstitucionalidade do Tratado de Lisboa, já que adiaram a sua decisão para a próxima semana.

Coisa chata é a atitude do Presidente Klaus, eurocéptico que rejeita a Carta Europeia de Direitos Humanos por recear que dê aos descendentes de alemães do território dos Sudetas o direito de reclamar para si as terras dos seus antepassados expulsos pelos checoslovacos depois da Segunda Guerra Mundial.

Alguem me quer lembrar porque é que estes tipos estão na UE?

Dienstag, 20. Oktober 2009

Resposta ao Manifesto anti-Saramago

Eu diria que há, sensivelmente, duas maneiras de olhar para as escrituras. Ou a bíblia (como tantos outros textos religiosos) é uma das primeiras tentativas da humanidade à filosofia, à literatura, à cosmologia, à astronomia e até à medicina ou então é um texto de inspiração divina que existe para guiar o Homem à salvação.
Seja qual for, a bíblia é um documento de incomensurável valor, que sem sombra de dúvida, nos diz muito sobre as nossas origens e os primórdios da civilização.
No entanto, os anos trouxeram homens que, por seu próprio mérito contribuíram de tal modo para as acima enunciadas disciplinas que não só ergueram novos paradigmas como demonstraram o quão inadequados eram os anteriores. Estes homens são os degraus na escada da história da humanidade.

Eu defendo a ideia de que um livro escrito com inspiração divina que possa ter tantas falhas não é um livro escrito com inspiração divina. E não hesito em dizer também, que também o velho testamento tem passagens lindíssimas; e também não me custa dizer que um dos conceitos que Jesus ensina é o mais sinistro de todos os conceitos alguma vez encontrados nas escrituras.
Nem com todo o genocídio, violação e infanticídio no antigo testamento há uma menção do castigo dos mortos. A punição infinita por crimes finitos, crimes cometidos em vida, por acreditar no deus errado, por tudo e mais alguma coisa.

"Tenho más notícias para ti, és um ser impuro, pecador e estás condenado ao fogo eterno. Isto por crimes que foram cometidos antes do teu tempo, por crimes que foram cometidos por outras pessoas, o pecado original. (...) Mas também tenho boas noticias, se fizeres como eu mando e obedeceres a estas 10 regras, vais ter uma recompensa para além do que possas imaginar."

O medo do inferno que é incutido às crianças é algo de muito muito perverso. E espero que esta falácia seja óbvia a todos.

A bíblia é claramente a primeira das duas hipóteses. Custa-me saber que há homens meus contemporâneos que a tomam por algo diferente.
Quanto ao Saramago, não o chamaria ignorante e não me atreveria a dizer que ele não conhece a bíblia. Agora, a abordagem dele é indício de um homem velho e amargo, o que não o torna necessariamente errado.

Montag, 19. Oktober 2009

Manifesto anti-Saramago

Como grande parte de vós saberá, não tive nunca uma educação religiosa nem sou particularmente dado a beatices, apesar do meu interesse nas diversas religiões, sobretudo as monoteístas.
Contudo, o nosso único prémio Nobel da literatura - sinceramente, ainda hoje, nem percebi porquê... - parece não deixar de dar provas de que não só é ateu, que bom para ele, mas que deseja fazer uma cruzada de ignorância contra as religiões bíblicas.
Pior que uma cruzada medieval de fanatismo religioso é a cruzada ignorante, em pleno século XXI, de um fanático ateu que devia estar calado, não opinar sobre aquilo que desconhece, e perceber que ter um Nobel não lhe dá infalibilidade - para isso, estupidamente, teria de ser Papa.

Então o nosso amigo pretensio e inflado acha que a Bíblia é um manual de perversidade, de maldade, daquilo que de pior há na «natureza humana».

Antes de mais, aluda-se ao uso da expressão filosófica que Saramago usa, reconhecida até pelos metafísicos existencialistas como filosoficamente errada por pressupor um conjunto de características comuns a todos os seres humanos, inalteráveis e eternas. O que por si pressupõe que essa humanidade homogénea não se possa alterar, e que tenha sido já "criada" assim - mazinha!
Ergo, o nosso amigo ateu está a dizer que a Bíblia constitui um manual de maldade para uma humanidade naturalmente má. E ao fazê-lo, descuida-se com ideias cliché metafísicas:
1) Descuida-se com a pressuposição de que há uma «essência» humana eterna.
2) O que pressupõe o criacionismo.
3) Descuida-se ao arrogar-se o direito de fazer juízos de valor sobre o conteúdo de um texto que não conhece, aparentemente, o suficiente.
4) Descuida-se, ao apreciar condutas sugeridas na Bíblia como «boas» ou «más» - porque, a não ser que Saramago seja leitor assíduo dos filósofos morais mais influentes do pós-guerra, libertos de quaisquer tendências divinistas na sua filosofia ética, está a apreciar a Bíblia de acordo com os critérios do Bem ou do Mal da sua Civilização. Que são os critérios de fundamento metafísico e até teológico legados pelo Cristianismo baseado no texto religioso que critica.
5) Descuida-se, em geral, enquanto velho senil, incontinente e parvo que é.

É verdade que na Bíblia encontramos coisas simpáticas como o massacre dos primogénitos egípcios para libertar os judeus (Êx.,11, 5), a prescrição da exclusão de homens bastardos ou castrados das assembleias religiosas ( Deu., 23, 1-2), a exclusão de leprosos da comunidade (Num., 5, 2), a prescrição da pena de morte para adúlteros e homossexuais (Lev., 20).
Ora, a maior parte dos fanáticos ateus é cega o suficiente para se ficar por aqui, pelo Antigo Testamento, sem preocupações de interpretação ou de compreensão.
E que tal uma excursão pelo Novo Testamento?
Vemos a maldade de afirmar a humanidade como a luz do mundo (Mateus, 5, 14); a crueldade da rejeição da vingança (Mateus, 5, 38); a perversidade de afirmar as crianças como a esperança de Deus (Mateus, 19, 13); vemos o horror da proclamação da clemência como valor em si (João, 8, 7) e vemos a repugnância do perdão (Lucas, 17, 3).

Uma pessoa pode não concordar com grande parte do código moral contido na Bíblia. Mas ninguém deve ter o atrevimento de julgar um livro dessa dimensão e profundidade como um todo, dizendo que é tudo muito bom ou tudo muito mau.
O pior é que Saramago julga as partes menos simpáticas da Bíblia de acordo com preceitos das partes mais bonitas, que vagueiam no nosso subconsciente colectivo há dois mil anos.
É preciso ser-se um ignorante completo para fazer aquele tipo de afirmações.
Entristece-me que seja aquele o nosso único Nobel da literatura. Mas se quer escrever, escreva e cale-se.