Montag, 19. Oktober 2009

Manifesto anti-Saramago

Como grande parte de vós saberá, não tive nunca uma educação religiosa nem sou particularmente dado a beatices, apesar do meu interesse nas diversas religiões, sobretudo as monoteístas.
Contudo, o nosso único prémio Nobel da literatura - sinceramente, ainda hoje, nem percebi porquê... - parece não deixar de dar provas de que não só é ateu, que bom para ele, mas que deseja fazer uma cruzada de ignorância contra as religiões bíblicas.
Pior que uma cruzada medieval de fanatismo religioso é a cruzada ignorante, em pleno século XXI, de um fanático ateu que devia estar calado, não opinar sobre aquilo que desconhece, e perceber que ter um Nobel não lhe dá infalibilidade - para isso, estupidamente, teria de ser Papa.

Então o nosso amigo pretensio e inflado acha que a Bíblia é um manual de perversidade, de maldade, daquilo que de pior há na «natureza humana».

Antes de mais, aluda-se ao uso da expressão filosófica que Saramago usa, reconhecida até pelos metafísicos existencialistas como filosoficamente errada por pressupor um conjunto de características comuns a todos os seres humanos, inalteráveis e eternas. O que por si pressupõe que essa humanidade homogénea não se possa alterar, e que tenha sido já "criada" assim - mazinha!
Ergo, o nosso amigo ateu está a dizer que a Bíblia constitui um manual de maldade para uma humanidade naturalmente má. E ao fazê-lo, descuida-se com ideias cliché metafísicas:
1) Descuida-se com a pressuposição de que há uma «essência» humana eterna.
2) O que pressupõe o criacionismo.
3) Descuida-se ao arrogar-se o direito de fazer juízos de valor sobre o conteúdo de um texto que não conhece, aparentemente, o suficiente.
4) Descuida-se, ao apreciar condutas sugeridas na Bíblia como «boas» ou «más» - porque, a não ser que Saramago seja leitor assíduo dos filósofos morais mais influentes do pós-guerra, libertos de quaisquer tendências divinistas na sua filosofia ética, está a apreciar a Bíblia de acordo com os critérios do Bem ou do Mal da sua Civilização. Que são os critérios de fundamento metafísico e até teológico legados pelo Cristianismo baseado no texto religioso que critica.
5) Descuida-se, em geral, enquanto velho senil, incontinente e parvo que é.

É verdade que na Bíblia encontramos coisas simpáticas como o massacre dos primogénitos egípcios para libertar os judeus (Êx.,11, 5), a prescrição da exclusão de homens bastardos ou castrados das assembleias religiosas ( Deu., 23, 1-2), a exclusão de leprosos da comunidade (Num., 5, 2), a prescrição da pena de morte para adúlteros e homossexuais (Lev., 20).
Ora, a maior parte dos fanáticos ateus é cega o suficiente para se ficar por aqui, pelo Antigo Testamento, sem preocupações de interpretação ou de compreensão.
E que tal uma excursão pelo Novo Testamento?
Vemos a maldade de afirmar a humanidade como a luz do mundo (Mateus, 5, 14); a crueldade da rejeição da vingança (Mateus, 5, 38); a perversidade de afirmar as crianças como a esperança de Deus (Mateus, 19, 13); vemos o horror da proclamação da clemência como valor em si (João, 8, 7) e vemos a repugnância do perdão (Lucas, 17, 3).

Uma pessoa pode não concordar com grande parte do código moral contido na Bíblia. Mas ninguém deve ter o atrevimento de julgar um livro dessa dimensão e profundidade como um todo, dizendo que é tudo muito bom ou tudo muito mau.
O pior é que Saramago julga as partes menos simpáticas da Bíblia de acordo com preceitos das partes mais bonitas, que vagueiam no nosso subconsciente colectivo há dois mil anos.
É preciso ser-se um ignorante completo para fazer aquele tipo de afirmações.
Entristece-me que seja aquele o nosso único Nobel da literatura. Mas se quer escrever, escreva e cale-se.

19 Kommentare:

André Cunha hat gesagt…

Sempre o achei um pretensioso que pontua pior que eu (não é fácil isto)...

De resto, ter meia dúzia de frases bombásticas na revista semanal é sempre bom para vender uns livritos a mais.

Maria Paulo Rebelo, hat gesagt…

"Escreva e cale-se"

?

Filipe hat gesagt…

...Sim, escreva e cale-se.

Pessoalmente, nem acho que escreva particularmente bem - nem o estilo, nem o conteúdo.
Mas há quem aprecie.

Agora, não podemos deixar de ter em conta que é um campónio pretensioso que está apaixonado por si mesmo e se tem a si mesmo com autor preferido.
Escreve como se tivesse alguma coisa a provar; e fala como se conseguisse demonstrar alguma coisa.
O Saramago representa a vertente mais idiota, mais radicalista,mais fanática, mais metafisicamente auto-flageladora e mais ignorante de ateus - de que eu, enquanto ateu de Esquerda, tenho vergonha.
Fazer do ateísmo um pretexto para vender e para bater no ceguinho que é a Igreja Católica, que se perdeu nas suas hierarquias e infalibilidades papais e está perdida, é a forma mais irracional, indiscreta e desonesta de o defender.
Se o Homem quisesse dar cabo do cristianismo e do seu filho bastardo, o catolicismo, usava argumentos cristãos; e não os mesmos usados há séculos por toda a gente e que colocam sempre os católicos em posições defensivas e a agir como se fossem vitimizados e incapazes de aceitar críticas, reconhecendo a perversidade da doutrina que a Igreja tem vindo a pregar, pervertida dos Padres da Igreja, há milénios.

Muitos cumprimentos, sê bem-vinda ao blog!

Anti-saramago hat gesagt…

Meu senhor Filipe, o seu último comentário também contém alguns argumentos forçados e mesmo fortes em inexactidão. A Igreja não está perdida, perdidos estarão aqueles que pensam isso e se afastam da Igreja. Além do mais, a doutrina não é perversa, não senhor, a doutrina cristã é do mais inspirador e emocionante que existe para a humanidade sofredora. Não confunda lenda ou episódios bélicos isolados de intrepretação religiosa doutros tempos com doutrina cristã, com mensagem de esperança para os povos, etc. Não se pode eliminar ou regeitar a Bíblia e a sua mensagem só porque elas contém determinados episódios narrados por um povo semita com aspirações muito religiosas que lutava pela própria sobrevivência. Imagino-me a olhar para um caixote contendo boas coisas, mas à superfície também algumas menos boas ou à primeira vista horríveis. "Ai não não, isto é tudo lixo. Não quero nada disto", vou dizer? Vou rejeitar o conteúdo do caixote, as muitas boas coisas só porque vi algumas menos boas? Nem pensar! É preciso um olhar mais atento para a Bíblia, e é o que têm feito os estudiosos, particularmente os especialistas. Agora, Saramago não é estudioso da Bíblia e muito menos especialista. Que vá pentear macacos que não lhe fica tão mal.

frederico prometeu sol hat gesagt…

Caro Anti-Saramago, a única coisa que trás, nova a este argumento, é o seu fanatismo. O resto já foi dito. Uma dica, todo o seu fanatismo ficar-lhe-ia muito melhor se escrevesse rejeitar com J.

Anti-saramago hat gesagt…

iko, vá chamar fanático à toupeira que o pariu, e você deve saber quem é, se por ventura fez uma análise mais cuidada dos meus argumentos no meu caderno. É muito fácil chamar alguém de fanático, esse é o verdadeiro argumento velho, velhíssimo, quando talvez não se tem capacidade para dizer algo mais honesto, inteligente e consentânio com a verdade. Quanto a eu escrever rejeitar com um "g", isso serviu para se perceber que o verdadeiro fanatismo talvez seja aquele que facilmente e constantemente tropeça na letra, convencendo-se apressadamente de uma estupidez qualquer ou roncando também apressadamente palavras despachadas em vão...

frederico prometeu sol hat gesagt…
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frederico prometeu sol hat gesagt…

Chamar perdidos aos que se afastam da Igreja, enquanto esta é uma organização que protege e esconde da justiça pedófilos violadores é de uma tal hipocrisia que só se explica com o fanatismo.

Filipe hat gesagt…

Caro Anti-Saramago,

Talvez devesse ler com um maior grau de atenção o post original em si e não o meu comentário que se lhe seguiu.
Caso não tenha reparado, o que faço precisamente é dizer que Saramago devia ler as partes da Bíblia que mais apelam ao nosso sentido de humanidade e amor ao próximo.
O Anti-Saramago se calhar não compreendeu que faço uma clara distinção da Bíblia - a qual, já agora, leio frequentemente e com fascínio há anos apesar de ser ateu - e a organização da Igreja Católica, cuja história não merece o meu respeito por motivos que decerto compreenderá, e que apenas tomei por uma instituição digna durante o papado de João Paulo II. Agrada-me, com franqueza, a palavra de Cristo, que em si não tem grande diferença da maior fatia da filosofia ética greco-romana antes do advento do Cristianismo.
Portanto, de novo, saliento o meu profundo respeito pela doutrina cristã, e o meu desagrado quanto à doutrina católica. Como pode imaginar, é muito difícil tomar por aceitável algo como a infabilidade papal ou a ideia de meia dúzia de cardeais se reunirem e decidirem, para o resto da história da Humanidade, o que é bom e o que é mau... Talvez não saiba, por exemplo, que ainda há 500 anos a Igreja debatia se as mulheres e os africanos tinham alma, e se a Bíblia exclui a poligamia... E mais, foi apenas com metade do seu percurso histórico até hoje, na Alta Idade Média, que os representantes do Cristianismo decidiram que Cristo não fora um mero profeta como Moisés ou Abrãao.

Caro Anti-Saramago, acho que ainda não se apercebeu do pormenor de termos uma opinião comum apesar de chegarmos lá por vias diferentes. Também acho que Saramago é um cretino e que deve pentear macacos.
Já agora, como é notório que é crente, digo-lhe que respeito que acredite em algo, e que não me parece, de todo, que tenha qualquer centelha de fanatismo. Neste blog,somos por coincidência todos ateus, mas os graus de conhecimento do cristianismo e da tolerância que pertence aos valores da boa Esquerda com que nos identificamos variam,de membro para membro.

Tomo portanto a liberdade de dizer ao meu amigo Iko que deve tratar os nossos convidados com a tolerância e o respeito com que desejaria ser tratado se em causa estivesse o seu ateísmo.

Ao Anti-Saramago, um cumprimento. E apesar de tudo, seja bem-vindo.

André Cunha hat gesagt…

L'important c'est la rose!

Maria Paulo Rebelo, hat gesagt…
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Maria Paulo Rebelo, hat gesagt…
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Isaac Tomaz Gentil hat gesagt…

Eu não gosto muito de expressar opiniões minhas por escrito porque sei que faltará sempre alguma coisa, talvez porque alguma coisa há-de sempre ficar imperfeita ou mal expressa. Em todo o caso, eis a minha opinião sobre o assunto

A Igreja Cristã Católica usa e abusa da Bíblia para seu melhor proveito. O mesmo o faz a Igreja Cristã Protestante com a sua, por exemplo. Não estou com isto a dizer que o fazem mal, simplesmente quero exprimir que, perante um tão semelhante conteúdo (porque em boa verdade elas são, para todos os efeitos, bastante semelhantes: mais uns, menos outros, os livros nela constantes), várias interpretações são dadas e podem ser auferidas.


O Saramago deu a sua opinião e, a meu ver, demasiada polémica foi gerada em torno de algo que não tinha, em bom rigor, tanto que o justificasse (pelo menos, que justificasse tão grande mediação). Não respeitar a opinião de Saramago será, isso sim, para mim, desrespeitar a liberdade de opinião e expressão que ele tem. Sinceramente não percebo porque é que toda a gente lhe caiu em cima desta maneira. “Áh é porque é o Nobel, exigia-se mais dele”, sim, ok e daí? Continua a escrever melhor do que eu ou do que o meu vizinho? Não haja dúvidas. É a qualidade do livro manteve-se, logo a qualidade do Nobel não foi ao ar! E se formos ainda ter em conta que o escreveu passando pela cama do hospital, provavelmente ainda o admiraríamos mais. “Áh, agrediu a integridade moral da Igreja Católica”. Bem, então eu diria que ela fere-se com muito pouco. “O quê, mas achas insignificante que UM NOBEL, sim não é um qualquer, é UM NOBEL, diga que a Bíblia é uma fonte de maus costumes?”. Bom, eu aí diria que, (1º) o Nobel não é mais do que qualquer outra pessoa, e se tiver responsabilidades acrescidas seria, apenas, a de manter a qualidade da escrita [ser merecedor de um prémio dessa grandeza não pode, nem nunca poderá alterar a essência de um escritor; ganhou o prémio mas nunca deixará de ser irreverente ou espalhafatoso; não é por ter ganho o Nobel que agora tem de ter tento na língua; quando um homem alterar a sua personalidade por prémios ou coisas que tais, tornar-se-á um vendido, um carneiro; pelo que é de admirar a postura que Saramago nunca ousou esconder, nunca se deixando intimidar!], (2º) desculpem-me a honestidade, mas acho mesmo insignificante aquilo que Saramago disse, alguém que se ofende com tão pouco deve, por certo, ter telhados de vidro; continuo sem perceber porque é que a Igreja se preocupa tanto com aquilo que as outras pessoas pensam ou opinam sobre ela. Aliás, continuo sem perceber porque é que mais de metade do rebanho português segue o exemplo da mesma forma!

Isaac Tomaz Gentil hat gesagt…

Com toda esta polémica em torno deste novo best seller, a verdade é que, mais uma vez, a INSTITUIÇÃO Igreja Católica, consegue levar duas avante (uma para ela outra para o Nobel): colhe alarido e mediação, chama mais uma vez à atenção; todavia, no meio de uma sociedade que cada vez mais se assume como descrente ou não praticante, a única coisa que consegue por certo fazer, é aumentar o número de vendas para o Nobel.

A Bíblia é susceptível de todas as interpretações que dela quiser o homem retirar. Saramago retirou a dele e com os argumentos que invocou escreveu o romance que quem já o leu, por certo, o terá apreciado à sua maneira. Felizmente já tive a oportunidade para ler uns quantos livros dele. E este não é excepção da sempre presente crítica institucional, social, cultural, política etc. etc., tão típica do autor. É, digamos, algo de inalheável, inalienável na filosofia de Saramago, em todas as suas obras e subjacente em todos os seus (extensos) parágrafos. Não é seguro nem certo o entendimento sobre certos episódios bíblicos: demasiado metafóricos, indetermináveis talvez, e que, dada a amplitude que revestem, por certo ponderada a análise tópica dos mesmos, o entendimento permaneça na penumbra. A Bíblia sempre foi o maior e mais hábil instrumento utilizado por, pelos, e para os homens. Disso penso que ninguém duvida. Mas agora, que dela só um sentido pode ser retirado, tenho sérias dúvidas; ainda por cima se tivermos em conta que a obra não é resultado de um único autor, de uma única época, nem descritiva de uma única situação factual de qualquer realidade de outrora. [E não colhe em tese contrária o argumento dos valores éticos e morais porque nem mesmo isso é imutável ou improrrogável.] É que, se continuarmos a extrapolar mais argumentos para esta sequência, poderíamos (e podemos) chegar ao ponto de colocar em causa a veracidade de quase todos os factos e citações bíblicas, maxime no Antigo Testamento. [E chegando agora ao cerne da minha opinião.] No seio desta panóplia de contradições, dúvidas, indeterminações e incertezas, como é que pudemos categoricamente da Bíblia extrair um cânone, uma única direcção ou sentido. Não será arrogância bruta? A ponderação e razoabilidade leva-me a crer que tal não é possível. Quem é que se arroga, afinal, no direito de saber o que está verdadeiramente por detrás da Bíblia, dos seus livros e evangelhos? Acho que, isso sim, seria uma atitude arrogante. E é neste ponto (arrogância) com que tanta gente injecta Saramago com críticas que reside um pormenor. É que a diferença entre Saramago e a Igreja reside no seguinte: enquanto Saramago dá a sua livre opinião sobre a Bíblia, a Igreja Católica manipula-a no sentido que bem lhe aprouver, qual pastor fiel para os seus carneiros, num extremo abismal de considerar incontestáveis as suas interpretações. E então eu pergunto, quem é, então, o verdadeiro arrogante.

Quando alguém pretende esgotar não só o conteúdo como o escopo de um livro sagrado desta riqueza numa mera definição ou ideia, classificatória ou não, algo de errado, a meu ver, se passa.

A minha modesta opinião
Isaac Gentil (cristão)

Filipe hat gesagt…

Sábias palavras, Sr. Gentil.

Vá aparecendo por cá!

André Cunha hat gesagt…

O Saramago é o mestre do coma literário. Mas pronto, ele aborrece-me e a mim, neste estado, não me apetece mesmo esgrimir argumentos. Já me esforço o suficiente para agarrar uma imagem ou outra nesta tela de cinema sem controlo.

André Cunha hat gesagt…

Bom, são 5.54 e apetece-me dizer que o Saramago cheira mal.

Filipe hat gesagt…

São 7.30 e apetece-me subscrever essa observação.

Hélder Santos Correia hat gesagt…

Bom post, Filipe. E também, não menos suculentos os comentários que o seguem.

No entanto (e ainda que venha Boa gente dizer que estou a ser demasiadamente sintético e curto, e que por esse simplismo até eu próprio deixe de fazer sentido) atrevo-me a dizer que, no fundo, tudo se resume ao quinto ponto citado pelo Autor.

e isto porquê? porque acredito que para se começar uma discussão de um qualquer problema é necessário começar pela fonte que lhe deu origem. Assim, se me é permitido (e com todo o respeito que merece um senhor daquela idade), Saramago "DESCUIDOU-Se enquanto velho senil, incontinente e parvo que é" e por isso escreveu e disse essas tolices.

Posto isto, viriam os argumentos; se não fosse este um assunto tão batido.



Zombo... Vou deixar de o fazer: Que se discuta! Da discussão se chega à Luz, meus Senhores.