Freitag, 30. Oktober 2009

A Verdade é Soberana Nesta Casa


Vivi sempre na cabeça e agora conheço o coração. Cabeça esta que sempre aspirou a coração mas que agora por ele se deixou enjaular. Cabeça esta que dita desesperada os termos da minha clausura e opressão mas que este coração rejeita levando-me a labirintos por onde sempre caminhei mas onde nunca me perdi, labirintos que para mim eram corredores bem definidos.

Agora já não sei agarrar-me e não sei onde estou. Levaram a minha tocha e perco-me no negrume do meu interior e fujo, fujo para não encontrar aquilo que sei que me espera no fim deste tango de silêncios, deste carrocel desvairado.

Sempre me pintei como a uma tela mas agora as tintas misturaram-se e já não encontro as cores. As correntes da minha ética partem e o ferro negro é cada dia mais vermelho e a cabeça não suporta e castiga-me com enlaces divinos.

Nem sei porque professo estas palavras, já perdi o seu significado, quanto mais vejo mais odeio este retrato que agora tenta ganhar vida das sombras que o contemplam.

Sombras de formas indefinidas que bailam entre chamas num reflexo de água cristalina que provoca a sede daqueles que a bebem escorrendo em suores frios pelas faces cavadas por um escopro afiado.

E é este o estupro em que consiste o sentimento. É monstro que nos desonra a alma, qual besta amordaçada que rasga com os dentes os quistos que lhe afloram pelo corpo que nos destrói dentro da jaula da nossa ética até ao dia em que se dissolve no sangue de uma intenção não concretizada.

É este o preço dos why should I’s quando se abdicou da urgência dos now’s e não se avança a braçadas largas nas torrentes dos why not’s.

É esta a face do pânico, da angústia não revelada, da cabeça que renega o coração que a domina e se encerra entre smoke and mirrors em personificações daquilo que não se permite que nasça fora das grutas da alma.

Estou esgotado…

A verdade foi parida. É um rebento grande e grotesco que não cabe pelo sifão da minha alma. Tirei-a de cesariana mas só a vi envolta em vestes ensopadas com este meu sangue. A quem anuncio o nascimento? Terá nascido morta? Antes de ser verdade já será mentira? Tem vergonha, por isso está envolta ou será que é a mãe que dela se envergonha?

Nas ilhas aladas, num baptismo de rapina, a Oliveira só dá flor, nunca o fruto.

André Cunha

7 Kommentare:

Filipe hat gesagt…

brilhante, como sempre.

Um abraço

Filipe hat gesagt…

les roses semblent noires, d'ailleurs.

André Cunha hat gesagt…

seulement pendant la nuit...

Filipe hat gesagt…

Coupez-les donc, et laissez grandir des coquelicots.

André Cunha hat gesagt…

Modéstia aparte, gosto imenso da imagem que adulterei para o meu texto. Está quase perfeita embora ontem quando a concebi a achasse sempre incompleta.

Chamei-lhe a sombra e embora este baptismo tenha uma razão profunda em mim, eis que me lembrei que há pouco tempo nos presenteaste com a poesia perfeita para a ilustração que vou vandalizar a meu belo prazer:

Sou uma sombra nocturna de infernal chama,
Pétrea, fera e feral como as memórias de outrora.
Ó Anjo ígneo que impõe o crepúsculo na aurora,
Mais louca e rubra nesta minha cama...

Acho que ficou um bocado pornográfico. Mas usando como base uma obra de Klimt na minha gravura, diria que está perfeito.

Filipe hat gesagt…

modéstia à parte, é a melhor vandalização que clandestinamente fizeram dos meus poemas, até hoje.
A imagem condiz na perfeição.
E aprende a usar sílabas métricas como deve ser, Senhor Abutre, se queres dar cabo dos meus poemas:P

André Cunha hat gesagt…

Abomino as métricas. Se as respeitasse seria uma alteração ou adulteração dependendo do juiz, assim é mesmo vandalismo.